
O universo Soul vive um revival através de bailes espalhados em diversas regiőes do país. Um deles acontece há mais de 20 anos, na periferia de Belo Horizonte e, năo ŕ toa, leva o nome de baile da Saudade. Lá, a idéia é relembrar bons e velhos tempos, quando as pessoas ainda saiam ŕ noite apenas para dançar...
Em tempos de balada e pegaçăo, o baile da saudade pode ser uma saída pra quem quer curtir a noite com qualidade, cercado de pessoas civilizadas e boa música. Basta năo ter preconceitos nem pudores, afinal, por lá, todo o tipo de gente passa e dança, cada um do seu jeito. Nada é ridículo. Vale sacudir da maneira que quiser (por mais bizarra que ela seja) e o melhor: ninguém olha ninguém de olho torto! Ninguém tem que copiar ninguém. Cada um cria o seu estilo através do suingue, basta deixar o ritmo entrar, garante o freqüentador, Zé Black, dançarino. Mas, para aqueles que fazem o estilo pé de valsa, é oportuno aperfeiçoar os passos de dança. Para isso, basta se aproximar de um dos tiozőes da velha guarda. Conhecidos com blacks das antiga, eles beiram os 50 anos e estăo envolvidos com a música negra desde o início da sua existęncia, em meados dos anos 60. Nós somos a rapa do Soul! Eu freqüento os bailes desde 72. Tiveram vezes do salăo ter apenas 3 ou 4 pessoas dançando. Mas, persistimos e agora o baile é moda e fica lotado, diz Ronaldo black, dançarino. A pesquisadora e especialista no assunto, Rita Ribeiro, explica: Os bailes belo-horizontinos surgiram por influęncias dos cariocas e viveram seu auge até a década de 70. A partir daí, começaram a declinar e migraram do centro para as periferias. O Soul foi esquecido e preenchido pelo movimento da disco. Mas, hoje, vivem um revival.

Acompanhando os bailes desde aquela época, os tios esbanjam experięncia no assunto e roubam a cena nas noites na periferia de Beagá. Sacodem o esqueleto com muito estilo, harmonia e equilíbrio, formando passos de dança de deixar muito desavisado de queixo caído. E para incrementar o show, se vestem a caráter, com figurino impecável, afinal, dançarino de Soul que se preza é perfeccionista. Capricham nos mínimos detalhes, da cabeça aos pés: sapatos de bico fino (lustrados), capas, bengalas colares e cabelos ouriçados. Os que năo tęm a cabeleira avantajada, usam chapéus, ganhando ares de mafiosos. Na época do Fred Esnel Junior, o pessoal do sapateado usava chapéu. Depois, o cabelo partido ao meio virou moda. E, finalmente, o Toni Tornado trouxe para o Brasil o ouriçador de cabelos, em 78, e os blacks passaram a utilizar aquela juba enorme, relembra Loirinho, dançarino que se apresenta nos bailes sempre, em dupla, com a sua mulher. A pesquisadora analisa: Eles podem ser anônimos, trabalhadores como outros quaisquer. Mas, quando se preparam para o baile, o fazem para brilhar. Naquela noite eles tęm identidade, se sentem reis.
E para embalar o suingue dos dançarinos, apenas pérolas como Gerson King Combo, Toni Tornado e o nosso síndico: Tim Maia! Mas, o som que mais agita a pista é, sem dúvida, James Brown, literalmente o cara! James é o cara porque, além de ser um músico fantástico e ter uma presença de palco maravilhosa, foi uma das primeiras pessoas a mostrar que ser negro era um motivo de orgulho, acrescenta Rita. Ás vezes as pessoas debocham porque eu năo falo inglęs e năo entendo o que o Brown está falando. Mas eu năo ligo. Danço em cima da batida, com o coraçăo e com a alma desabafa o dançarino e fă apaixonado de James Brown, Ronaldo Black.
Depois de horas de batidăo e muita suadeira no salăo, chega o momento mais romântico da noite: a hora da música lenta! A piscodelia de bandas como o Pink Floid acalma a noite e cria um clima perfeito para os homens chamarem as mulheres para dançar! Tudo bem ŕ moda antiga, com direito a trocas de olhares e até frio na barriga! Pra mim esse é a melhor hora. Rola muita expectativa por parte das mulheres solteiras que esperam serem chamadas, por alguém, para dançar, diz a dançarina conhecida como Dama do Soul.

O baile da Saudade é assim, um universo particular. É como uma viagem no tempo. Um terreno fértil para estudos sócio-antropológicos ou simplesmente para ser observado e apreciado por curiosos (como eu). O difícil é năo se misturar a ele, năo se envolver com as pessoas que fazem parte dele, pois tudo lá é puro e encantador. Um lugar que mata e provoca saudades...